terça-feira, 2 de novembro de 2010

Poema do mês de novembro



No Elevador do Filho de Deus

Elisa Lucinda



A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida

Que eu já tô ficando craque em ressurreição

Bobeou eu tô morrendo

Na minha extrema pulsão

Na minha extrema-unção

Na minha extrema menção

de acordar viva todo dia

Há dores que sinceramente eu não resolvo

sinceramente sucumbo

Há nós que não dissolvo

e me torno moribundo de doer daquele corte

do haver sangramento e forte

que vem no mesmo malote das coisas queridas

Vem dentro dos amores

dentro das perdas de coisas antes possuídas

dentro das alegrias havidas.



Há porradas que não têm saídas

há um monte de "não era isso que eu queria"

Outro dia, acabei de morrer

depois de uma crise sobre o existencialismo

3o mundo, ideologia, inflação...

E quando penso que não

me vejo ressurgida no banheiro

feito punheteiro de chuveiro

Sem cor, sem fala

nem informática, nem cabala

eu era uma espécie de Lázara

poeta ressuscitada

passaporte sem mala

com destino de nada!


A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida

ensaiar mil vezes a séria despedida

a morte real do gastamento do corpo

a coisa mal resolvida

daquela morte florida

cheia de pêsames nos ombros dos parentes chorosos

cheio do sorriso culpado dos inimigos invejosos

que já tô ficando especialista em renascimento


Hoje, praticamente, eu morro quando quero

às vezes só porque não foi um bom desfecho

ou porque eu não concordo

Ou uma bela puxada no tapete

ou porque eu mesma me enrolo

Não dá outra: tiro o chinelo...

e dou uma morrida!

Não atendo telefone, campainha...

Fico aí camisolenta em estado de éter

nem zangada, nem histérica, nem puta da vida!

Tô nocauteada, tô morrida!


Morte cotidiana é boa porque além de ser uma pausa

não tem aquela ansiedade para entrar em cena

É uma espécie de venda

uma espécie de encomenda que a gente faz

pra ter depoís um produto com maior resistência

onde a gente se recolhe (e quem não assume nega)

e fica feito a justiça: cega

Depoís acorda bela

corta os cabelos

muda a maquiagem

reinventa os modelos

reencontra os amigos que fazem a velha e merecida

pergunta ao teu eu: "Onde cê tava? Tava sumida, morreu? "

E a gente com aquela cara de fantasma moderno,

de expersona falida:

- Não, tava só deprimida.



A imagem é uma pintura de Chagall


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