sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Arco-íris matinal

SONHOS NA POESIA DE CAEIRO














Todos os dias
( Caeiro, A. - p.81)
Todos os dias agora acordo com alegria e pena
Antigamente acordava sem sensação nenhuma: acordava
Tenho alegria e pena porque perco o que sonho
E posso estar na realidade onde está o que sonho.
Não sei o que hei de fazer das minhas sensações
Não sei o que hei de ser comigo sozinho
Quero que ela me diga qualquer coisa para eu acordar de novo.
Este poema de Pessoa instigou-me a refletir sobre os sonhos.
Os sonhos fascinam os seres humanos desde a antiguidade, eram visto como mensageiros de presságios pelos povos primitivos, utilizados como recursos curativos nos templos de Esculápio, na Grécia Antiga e estudados através dos tempos por filósofos, cientistas e pensadores.
Eu não teria aqui espaço para abordar o tema de forma mais ampla, proponho que caminhemos um pouco a cerca do pensamento de Jung sobre o significado dos sonhos, acolhendo como pano de fundo a beleza dos versos de Pessoa.
Nestes versos o poeta exprime o seu pesar por abandonar, ao acordar, o mundo dos sonhos, e mais do que isto, ele dá a estas manifestações do inconsciente um lugar de realidade quando diz: " e posso estar na realidade onde está o que sonho" (Caeiro, p. 81).
No pensamento junguiano os sonhos, enquanto expressões do inconsciente, possibilitam que processos anímicos cheguem à consciência, interferindo, sobremaneira, na forma que o individuo se coloca no mundo e faz suas escolhas. Daí, eles seriam vistos dentro desta concepção de realidade. Para Jung " tudo aquilo que age, que atua é real". (Jung, Vol. VIII/2 - 742).
Jung confere um estatuto próprio ás imagens provenientes dos sonhos, da arte, dos sintomas, dos delírios. A psique tem esta forma de expressão, dotada de vários complexos de cunho pessoal, que estariam vinculados a núcleos arquetípicos também múltiplos, capazes de se expressarem na forma de imagens carregadas de alta tonalidade afetiva. Imagem seria estão a linguagem pura do inconsciente. "Ouvir", estar atento a estas imagens contidas nos sonhos, assim como nos mitos, nas lendas e contos de fada, abrem trilhas de profundo conhecimento pessoal e coletivo, dando ao trajeto de cada individuo a possibilidade de compartilhar suas experiências através do contato com conteúdos ancestrais, o que a meu ver, percebemos no desejo expresso por Pessoa em "ouvir a voz do sonho" quando ele diz: " não sei o que hei de ser comigo sozinho, quero que ela me diga qualquer coisa para eu acordar de novo...".
Seria ela a anima?
Pessoa, F. - Poesia Completa de Alberto Caeiro - C. das Letras
Jung, C. G. - Obras Completas - Vol. VIII/2